Xénon 1.1
Folha de sala
Num espaço quase quadrado, um semi quadrado, quadrado imperfeito, achatado, quadrado losango, obtuso. Em quatro linhas, liberdade obtusa. Espaço vazio, espaço cheio, muita coisa, pouca coisa, pouca terra, pouca terra.
Nota 1:
Uma estante e uma mesa, objectos deixados, acumulados, uma aparente abundância, frugal, caduco. Todos os dias, sento-me numa mesa. Um tampo e quatro pés. A utilização é variada, rebolo, espreguiço, deito-me, abano os pés, deposito uma série de coisas aleatórias que recolho ao longo do dia, de dias. Acumulam pó, musgo, dissolvem-se, borbulham, misturam-se. A energia latente salta. Há uma explosão que se ouve como um tinido, um mini som. Um sussurro que se torna num som audível até que é uma algazarra. Uma mistura de fim de noite numa discoteca qualquer e um baile de aldeia, onde a ordem não se procura. Uma entropia, que em si causa um caos ordenado, mas nunca civilizado. Rendendo-me às circunstâncias, aproximo-me, aproximo-as, para que se ouçam melhor. Intermeio, intervenho nas disputas. Junto, colo, parto, misturo. Adiciono ainda mais instabilidade, tento preservar, contrapondo com fios e arames, numa tentativa de suster o momento.
Nota 2:
Vento, um interior calmo, não se ouve um som. Tudo imóvel e abafado, a serenidade após a folia. O congelar de um momento, sente-se a vibração do que foi, o que está para vir é mais previsível. Paramos neste instante, numa melancolia, na sensação e na vibração do que é, algo familiar mas tão distante.
Nota 3:
Batata vermelha- 1,59 kg
Tomate- 1,99 kg
Cebola roxa-2 kg
Alface frisada- 1,59 kg
Pão- 2 euros
Xénon deriva do grego xenos que significa estranho. Altar ou parte da casa onde os romanos colocavam os deuses e protectores do lar. Gás usado em lâmpadas bactericidas, tubos eletrônicos, lâmpadas estroboscópicas, flashes fotográficos, e anestésico. Planeta distante ainda não descoberto.
Lisboa, 23 de Abril 2025